Projeto desenvolvido a convite da exposição “Cartas ao Prefeito”, organizada pela galeria Pivô por ocasião das eleições municipais de 2016
“A cidade de São Paulo é marcada pela fragmentação de seu tecido urbano. O conjunto desconexo resulta da sobreposição de interesses e investimentos setoriais, distribuídos desigualmente pelo território ao longo do tempo. Nele convivem padrões construtivos, zoneamentos e arruamentos distintos.
Fragmentou-se a identidade dos lugares e a legibilidade dos espaços públicos. Desarticulados entre si, frequentemente perdem sua clareza de apropriação pela população. Coesão, conjunto e continuidade são qualidades fundamentais a serem alcançadas.
Na grande miséria espacial resultante da setorização – de matriz racionalista – do espaço urbano, a rua se torna o principal espaço capaz de reunir os cidadãos – espaço em permanente disputa. A articulação dos lotes individuais com o sistema viário – o maior espaço público de uma cidade – limita-se à circulação. Respeitadas as fórmulas exigidas para se ocupar estes lotes, ganha-se autonomia para bem decidir o que fazer com um terreno. Qual a contribuição poderia ter cada um desses elementos autônomos na busca de maior urbanidade – um modo de estar na cidade – e de melhor desenho urbano?
Para criar continuidade espacial a resposta passa pela extrapolação da lógica unitária do lote.
O padrão dominante de uso e ocupação do solo produziu uma enorme quantidade de espaços vazios desqualificados e desarticulados, despidos de qualquer produtividade ou sentido
público. Recuos frontais, laterais, de fundos multiplicam-se, acompanhando a atividade imobiliária, gerando desperdício de áreas livres de potencial uso pela população e desperdício de recursos – pois afinal o custo destas áreas residuais é alto, dado o valor elevado do solo urbano. Seria possível prever instrumentos e dispositivos, no âmbito do Plano Diretor e da legislação urbanística, para articular esses vazios entre si e, também, com o sistema viário, de maneira a criar redes de áreas de uso público passíveis de serem programadas e reprogramadas de acordo com a decisão de cada vizinhança?
A título de ilustração, como estímulo à imaginação, ensaiamos a possibilidade de reconfigurar uma paisagem paulistana recorrente, por meio de um dispositivo urbanístico que garanta
essa possibilidade de articular os recuos. Neste caso, sequências de torres isoladas no lote, despojadas de urbanidade, formam um tecido ritmado por vazios cuja atual consolidação não deve inibir uma ação transformadora. Pelo contrário, podem, graças a seu espaço ocioso, abrigar intervenções de larga escala. O sentido é a ampliação do espaço público ao mesmo tempo em que se adensa programaticamente os quarteirões, transformando a paisagem com a inserção de um embasamento envolvendo cada lote, inaugurando também uma cota elevada para atividades externas. No encalço da propalada autonomia dos bairros, há de se experimentar a criação de uma densa rede de espaços livres, novos lugares – contínuos – para o estabelecimento de relações de vizinhança.”
São Paulo, 22 de julho de 2016
Autoria: 23 SUL
Local: São Paulo – SP
Ano: 2016